«Os actos cruéis praticados contra muitos nacionalistas angolanos, antes de 1975, na cadeia de São Nicolau, hoje Bentiaba, província do Namibe, por lutarem por uma Angola livre do colonialismo, só podem ser comparados com as cenas de filmes de terror. Encarcerados, muitos eram retirados das celas, na calada da noite, para serem queimados vivos num forno feito de pedra», escreve o Jornal de Angola. Tal como o MPLA fez nas massacres de 27 de Maio de 1977, assassinando milhares de angolanos, escrevemos nós.
«O relato dramático vivido por esses nacionalistas anónimos, que não pouparam esforços para livrar Angola do jugo colonial, é contado pelo também ex-preso político Zé Carlos, mais conhecido por “Tchindessen”. Hoje dedicado à agricultura, Zé Carlos escapou do fogo ardente daquele forno, porque a sorte bateu-lhe a porta. “Até hoje, custa-me acreditar que saí vivo da Cadeia de São Nicolau”, conta, com o rosto carregado de mágoas» diz o JA. E que tal fazer um trabalho similar com sobreviventes, entre outros, dos massacres de 27 de Maio de 1977 ordenados por Agostinho Neto, o herói do MPLA?
Continuemos com o órgão oficial do MPLA:
«Zé Carlos lembra que, no dia em que os carrascos da cadeia foram buscar os colegas na cela, para serem queimados, ele foi deixado de parte. “Eu não fiquei porque eles não me queriam matar, mas porque Deus tornou-me invisível aos olhos deles”, acredita.
Os nacionalistas mais propensos a serem queimados, segundo conta, eram aqueles mais inteligentes e que, mesmo presos, não paravam de alimentar o sonho de um dia ver Angola independente. “Eles matavam, preferencialmente estes, porque não queriam na cadeia quem continuasse a encorajar os demais a acreditar numa Angola livre do colono”, ressaltou.
Nessa altura, lembra Zé Carlos, a Cadeia de São Nicolau era dirigida por um senhor cujo único nome de que tem memória é “Lima”. “Este senhor Lima não tinha alma. Não era uma pessoa como nós, com sentimentos”, recorda. Encontrámos Zé Carlos na sua lavra, no bairro Cambico, adjacente à Cadeia do Bentiaba, a cerca de 140 quilómetros da cidade de Moçâmedes. O encontro só foi possível com a ajuda de um funcionário da cadeia do Bentiaba, afecto ao centro de saúde, que nos guiou até ao homem. Antes, havíamos revirado a zona, habitada maioritariamente por ex-presos da Cadeia do Bentiaba, atrás de um sobrevivente de São Nicolau, mas sem sucesso.
Tudo apontava não haver nenhum deles a viver aí, até que um morador falou de Zé Carlos. Para alcançar a zona onde estava, foi necessário atravessar o rio Bentiaba. Essa parte da jornada foi fácil de cumprir, porque o rio estava seco. Segundo moradores da zona, o rio só enche quando chove. A falta de chuvas agudiza a situação da população local, que precisa permanentemente de água para dar de beber o gado e manter as culturas. Sentado à sombra de uma pequena árvore, ladeado da esposa e da sobrinha, o ancião, que já não se lembra da idade, muito menos de quando nasceu, recebe-nos com algum receio. No primeiro contacto, nega ter sido preso político. “Eu não fui preso político. Continuem a procurar. Deve ter alguém no bairro”, frisou.
Dada a insistência, Zé Carlos, que não fala fluentemente português, admitiu “ter passado pela cadeia de São Nicolau”, mas não como preso político. Apenas por ter batido na mulher. “Ela foi lá me queixar e fui preso”, realçou. O objectivo da reportagem era encontrar quem tivesse sido preso político na Cadeia de São Nicolau, antes da Independência, a fim de nos reportar como eram tratados pelos portugueses. Não tendo sido um preso nessa condição, agradecemos pela recepção e metemo-nos a andar, em busca de quem tivesse sido, realmente, preso nessas condições. Não tínhamos percorrido mais de 30 metros quando uma voz pediu para pararmos. Era o sobrinho de Zé Carlos, que acabava de chegar da lavra.
“Qual é o problema aqui?”, questionou. Após as explicações sobre a nossa presença, o sobrinho, contrariando as palavras do tio, revela que ele foi, sim, preso político, antes da Independência e que a história da prisão por bater na mulher não passava de invenção. Afirma que, em função dos traumas que ainda carrega da cadeia de São Nicolau, não aceita falar muito do assunto, sobretudo com pessoas estranhas. “Um irmão dele foi queimado no forno”, contou o sobrinho.
Salvo pela Independência
A revelação levou-nos novamente até Zé Carlos. Já com o sobrinho ao lado, o ex-preso político aceitou abrir-se e revelar outros detalhes registados na cadeia de São Nicolau, quando esteve lá. Contou que a sua ida àquela cadeia se deveu ao facto de se ter aliado a um grupo que se batia pela Independência do país. Zé Carlos contou que só ficou a saber que as pessoas retiradas das celas, na calada da noite, eram mortas quando saiu de lá, já depois da proclamação da Independência. “Não havia como saber onde as pessoas eram levadas e o que faziam com elas, porque os portugueses não falavam”, salientou.
Disse ter sido nessa altura que ficou a saber da existência do forno onde o seu irmão e outros colegas de cela foram queimados. O ex-preso político disse que um outro método usado na cadeia de São Nicolau, para matar os nacionalistas, era dar-lhes trabalhos forçados. Aquele que se mostrasse incapaz de cumprir a tarefa, recorda, era morto mesmo na presença de outros presos. O ex-preso político salientou que aquele era um dos métodos muito usado na cadeia para levar os presos a realizarem tarefas pesadas sem reclamar.
Embora tenha escapado uma vez da morte, sabia que a qualquer momento chegaria a sua vez. “Se a Independência levasse mais alguns meses a acontecer, eu não estaria aqui a falar com o senhor”, rematou. O ex-preso político referiu que a Independência Nacional apareceu como soltura. “Com a chegada da Independência, todos os presos políticos foram soltos”, lembra.
O escombro do forno, com sinais de cinza das pessoas aí queimadas, ainda permanece na cadeia do Bentiaba. O director interino do Estabelecimento Penitenciário do Bentiaba, superintendente prisional Ezequiel Calupeteca, que nos levou para conhecer o lugar onde o forno estava montado, ressaltou que muitos nacionalistas foram mortos aí para esvaziar as celas, sempre que estivessem sobrelotadas. O responsável não precisou o número de nacionalistas mortos naquele forno, mas disse não terem sido poucos. “Basta ver a quantidade de cinzas no escombro do forno, para se ter uma ideia”, aclarou.
A cadeia do Bentiaba já não dispõe de muitos documentos que relatam os acontecimentos ocorridos aí, antes da Independência, sobretudo o tratamento dado aos nacionalistas. Mas, dados fornecidos ao director interino da cadeia, por um ex-funcionário do então São Nicolau, revelaram cenas de arrepiar. Ezequiel Calupeteca conta que a mulher do director da então Cadeia de São Nicolau, o Lima, não aceitava almoçar sem antes ver um nacionalista a ser torturado. “Segundo a fonte por mim consultada, ela gostava de ouvir o grito sofrível dos nacionalistas. Só assim é que ela comia”, conta.
A Cadeia do Bentiaba encontra-se localizada na vila com o mesmo nome, pertencente ao município de Moçâmedes. Está situada numa área rodeada de montanhas e o próprio rio Bentiaba, o que lhe confere o formato de um oásis. É considerado o único estabelecimento prisional do país a céu aberto. Consta que a zona era apenas de produção agrícola, mas, dada a sua localização geográfica – própria para isolamento – o Governo colonial português transformou-o em cadeia para presos políticos. Além de estabelecimento prisional, é um verdadeiro campo de produção agrícola. No local são produzidos vários tipos de produtos agrícolas que abastecem a cidade de Moçâmedes e não só.
No perímetro da cadeia há um cemitério onde estão enterrados centenas de nacionalistas que perderam a vida enquanto presos. À semelhança do cemitério, há outra estrutura que também guarda, fielmente, a passagem dos portugueses por aí. Trata-se de um Forte, com duas celas construídas de pedras e sem janela, com capacidade para apenas um preso, cada. Mas, de acordo com o director interino da cadeia, foram colocados nestes lugares mais de dez. “A falta de oxigénio levava muitos presos à morte”, conta o director.
Apesar de continuar a ser um lugar de privação de liberdade, Ezequiel Calupeteca disse que os presos de hoje não vivem o drama vivido pelos nacionalistas que aí se encontravam. O director disse não ter ideia da capacidade de internamento da cadeia, na era colonial, tendo assegurado apenas a capacidade actual que é de 1.300 reclusos. Hoje estão internados 997 reclusos.»
Um genocídio não se desculpa
O Presidente João Lourenço pediu desculpas em nome do Estado angolano pelas execuções sumárias levadas a cabo após o alegado golpe de 27 de Maio de 1977, salientando que se trata de “um sincero arrependimento”. Mas, é claro, o assassino responsável pelos massacres, Agostinho Neto, continua incólume e a ser, por imposição expressa de MPLA, o único herói nacional. É fartar vilanagem.
“Não é hora de nos apontarmos o dedo procurando os culpados. Importa que cada um assuma as suas responsabilidades na parte que lhe cabe. É assim que, imbuídos deste espírito, viemos junto das vítimas dos conflitos e dos angolanos em geral pedir humildemente, em nome do Estado angolano, as nossas desculpas públicas pelo grande mal que foram as execuções sumárias naquela altura e naquelas circunstâncias”, disse o chefe do executivo angolano.
João Lourenço dirigia-se ao país numa comunicação transmitida pela sua Televisão Pública, na véspera da passagem dos 44 anos sobre os massacres de milhares e milhares de angolanos, ordenados por Agostinho Neto, então Presidente da República Popular de Angola e Presidente do MPLA e ainda hoje considerado oficialmente o único herói nacional, em 27 de Maio de 1977, que será pela primeira vez assinalado com uma homenagem em memória das vítimas, mas sem beliscar a imagem do seu principal responsável.
“O pedido público de desculpas e de perdão não se resume a simples palavras e reflecte um sincero arrependimento e vontade de pôr fim à angústia que estas famílias carregam por falta de informação quanto aos seus entes queridos”, acrescentou.
O pedido de desculpas era uma reclamação dos sobreviventes e das organizações que representam as vítimas e os seus descendentes, agrupadas na Plataforma 27 de Maio.
Em Abril de 2019, o Presidente angolano ordenou a criação de uma comissão (a CIVICOP), para elaborar um plano geral de homenagem às vítimas dos conflitos políticos que ocorreram em Angola entre 11 de Novembro de 1975 e 4 de Abril de 2002 (fim da guerra civil).
Um assassino que é herói… do MPLA
Em Angola, o Dia do Herói Nacional é uma comemoração partidária transformada, por força da ditadura, em nacional angolana em memória do nosso maior genocida, do nosso maior assassino, António Agostinho Neto.
Estávamos a 17 de Setembro de 2016. O então ministro da Defesa de Angola e vice-presidente do MPLA, João Lourenço (alguém sabe quem é?), denunciou tentativas de “denegrir” a imagem de Agostinho Neto, primeiro Presidente angolano.
João Lourenço discursava em Mbanza Congo, província do Zaire, ao presidir ao acto solene das comemorações do dia do Herói Nacional, feriado alusivo precisamente ao nascimento de Agostinho Neto.
“A grandeza e a dimensão da figura de Agostinho Neto é de tal ordem gigante que, ao longo dos anos, todas as tentativas de denegrir a sua pessoa, a sua personalidade e obra realizada como líder político, poeta, estadista e humanista, falharam pura e simplesmente porque os factos estão aí para confirmar quão grande ele foi”, afirmou o general João Lourenço, hoje presidente do MPLA, da República (do MPLA) e Titular do Poder Executivo (do MPLA), certamente já perspectivando em guindá-lo a figura de nível mundial. Hitler que se cuide…
“A República de Angola está a ser vítima, mais uma vez, de uma campanha de desinformação, na qual são visadas, de forma repugnante, figuras muito importantes da Luta de Libertação Nacional, particularmente o saudoso camarada Presidente Agostinho Neto”, afirmou o Bureau Político.
Na intervenção em Mbanza Congo, João Lourenço, que falava em representação do seu então querido, carismático e divino chefe, o “escolhido de Deus” e chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, sublinhou que Agostinho Neto “será sempre recordado como lutador pela liberdade dos povos” e um “humanista profundo”.
“Como atestam as populações mais carenciadas de Cabo Verde, a quem Agostinho Neto tratou gratuitamente, mesmo estando ele nas condições de preso politico. É assim como será sempre lembrado, por muitas que sejam as tentativas de denegrir”, afirmou – sabendo que estava a mentir e a ser conivente com um dos mais hediondos crimes cometidos em África – o então ministro da Defesa e hoje Presidente da República.
“Em contrapartida”, disse ainda João Lourenço, os “seus detractores não terão nunca uma única linha escrita na História, porque mergulhados nos seus recalcamentos e frustrações, não deixarão obra feita digna de respeito e admiração”.
“Não terão por isso honras de seus povos e muito menos de outros povos e nações. A História encarregar-se-á de simplesmente ignorá-los, concentremos por isso nossas energias na edificação do nosso belo país”, disse João Lourenço.
Terá João Lourenço alguma coisa, séria, honesta e reconciliadora a dizer aos angolanos sobre os acontecimentos ocorridos no dia 27 de Maio de 1977 e nos anos que se seguiram, quando milhares e milhares de angolanos foram assassinados por ordem de Agostinho Neto? Pedir desculpa em nome do Estado não chega. Chegaria, estamos em crer, se colocasse Agostinho Neto no nível a que o Estado alemão colocou Adolf Hitler.
Numa só palavra, quando este MPLA sente o poder ameaçado, não hesita: humilha, assassina, destrói, elimina, atira aos jacarés. É a sua natureza perversa demonstrando não estar o MPLA preparado para perder o poder e, em democracia, com a força do voto se isso vier a acontecer, a opção pela guerra será o recurso mais natural deste partido, não é general João Lourenço?
“Não vamos perder tempo com julgamentos”, disse no pedestal da sua cadeira-baloiço, o maior genocida do nacionalismo angolano e da independência nacional, Agostinho Neto. João Lourenço sabe que isto é verdade, mas – apesar disso – enaltece o assassino e enxovalha a memória das vítimas. E isto não é, nunca será, “um sincero arrependimento”.
Desde 1977 que Angola, o Povo, aguarda pela justiça, mas com as mentes caducas no leme do país, essa magnanimidade de retractação mútua, para o sarar de feridas, não será possível, augurar uma Comissão da Verdade e Reconciliação, muito também por não haver um líder em Angola.